Para compreendermos a inflamação, precisamos entender primeiro o sistema imune. Ele é composto por células, tecidos e moléculas, que têm o objetivo de erradicar (e prevenir) infecções, combater substâncias estranhas e combater produtos derivados das células (câncer).
Possui órgãos primários: Timo e Medula Óssea, que são responsáveis pela produção e maturação dos linfócitos T e B e órgãos secundários: Baço, tecidos linfáticos e amídalas, que agem respectivamente no armazenamento de linfócitos, na circulação de moléculas do S.I. e servem ativamente como barreiras para vírus e bactérias.
No piercing, lidamos com PAMPs e DAMPs, que são padrões moleculares associados a patógenos e aos danos, eles são sinalizadores que iniciam a resposta imune (a ação coletiva e coordenada do S.I.). Esses sinais são reconhecidos pelas seguintes moléculas ("glóbulos brancos") da Imunidade Inata (a primeira a acontecer, já que é menos específica e não tem memória):
Macrófago: Presentes nos tecidos, são os primeiros a chegar na "cena do crime", produzem citocinas* que fagocitam (digerem) o patógeno.
Neutrófilo: Esse é o que causa a secreção no seu piercing! É a célula fagocitária mais abundante no sangue. Elas possuem um mecanismo de extrema importância, a NET (armadilha celular de Neutrófilos), o macrófago ao digerir um patógeno, se desfaz em um conjunto de substâncias que têm poder de desativar patógenos e "acelerá-los" para que sejam absorvidos por outra célula de defesa.
*Citocinas são proteínas que "avisam" outras células (principalmente os linfócitos) que há algo de errado. Elas podem iniciar, amplificar, suprimir ou modular a inflamação. Numa inflamação temos a "tríade inflamatória" que são as citocinas: IL-1 (pró inflamatória, atrai neutrófilos e outras células imunes para o local da infecção), IL-6 (afeta a diferenciação de linfócitos B, em certas ocasiões pode agir como anti-inflamatória, influencia no crescimento de novos tecidos) e a TNF-alpha, conhecido como fator de necrose tumoral, (pode induzir a morte celular programada em certas células, incluindo células tumorais e células infectadas por vírus). As citocinas são responsáveis pela febre e, em altíssimas concentrações, causam o Choque Séptico (chamada errôneamente de infecção generalizada).
Contamos também com a imunidade adaptativa, que é mais específica e é constantemente "treinada para a guerra".
Linfócitos T: só reconhecem o que já adentrou a célula, muitas vezes vírus ou fragmentos que os fagócitos (macrófagos, neutrófilos...) já digeriram. Divididos em TCD4, que é o chefe que treina a equipe, somente um mensageiro que orquestra tudo e "chama" o gerente que atua, o TCD8. O TCD8 é citotóxico, ou seja, ele mata uma célula danificada inteira para agir contra o que está "causando problema".
Linfócitos B: está ligado a anticorpos, que se ligam a estruturas de um patógeno, agindo fora da célula.
Etapa 1 (inflamação aguda): Fazemos a perfuração, quebramos camadas de diferentes tecidos causando um dano grande e ainda deixamos um pedaço de titânio lá (um corpo estranho)
Etapa 2: Células sentinelas (a primeira linha de defesa que expliquei acima) já estão ali prontas para "ver que bagunça é essa", reconhecendo os DAMPs, liberados pelo tecido após a lesão, e ocasionalmente os PAMPs, liberados pelos organismos presentes na microbiota da pele ou pela reação alérgica ao níquel (caso você faça sua perfuração num lugar duvidoso ou contaminar em casa, esses sinais serão liberados por bactérias mais perigosas, como por exemplo o Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes, que podem causar uma variedade de infecções graves).
As células sentinelas começam a guerra: englobando o patógeno (formando um fagossoma, uma "bolha" com o patógeno dentro) ⭢ se unem com uma estrutura da nossa célula que é o centro de reciclagem (chamada lisossoma) ⭢ o fagolisossoma (união destes) libera radicais livres com efeito microbicida ⭢ digestão finalizada e restos de célula liberados
Etapa 3: Após esse processo, as células fagocitárias viram que o problema não é tão simples e vão precisar de reforços, temos então a liberação de citocinas. As citocinas inflamatórias causam a vasodilatação para que novas células possam sair do sistema linfático (que não se conecta com a corrente sanguínea) para o tecido alvo, esse processo se chama diapedese.
Essas citocinas são responsáveis pelos sinais que vemos a partir do 5º dia de cicatrização: o calor (pelo aumento de atividade celular no local), o inchaço e vermelhidão (por causa do aumento dos vasos sanguíneos). Se não seguirmos as indicações, o aumento da inflamação leva a dor e perda de função do tecido.
A compressa de soro morno ajuda nesse processo, deixando mais glóbulos brancos participarem da guerra, por isso ela é importante e deve ser feita certinho.
Etapa 4 (inflamação crônica): Se os fagócitos mais comuns não conseguem resolver o problema (há uma infecção ou há muito atrito gerando dano tecidual toda hora), há um novo recrutamento de uma infantaria muito mais robusta, que chamamos de inflamação crônica. Células Dendríticas (que são mensageiros da imunidade inata e também fazem parte do grupo de células sentinelas) apresentam o patógeno a uma célula, os agentes externos são absorvidos pela célula em forma de "bolsa", passando para o lisossoma, que transforma ele em uma bolsa de pequenos pedaços de patógenos. No Retículo Endoplasmático Rugoso (outra estrutura da nossa célula, como o lisossoma) há outra bolsa, a de MHC (uma molécula que garante a conexão com os Linfócitos T). As duas bolsas se unem, virando uma só, e saem da célula, onde o TCD4 reconhece a "situação" e parte para uma abordagem mais dura.
Porém, essas células TCD4 produzem citocinas ainda mais potentes, que aumentam mais ainda a vasodilatação e aumenta ainda mais a concentração de células no local da lesão. Mais macrófagos adentram a célula, podendo se tornar células epitelióides, que são uma tentativa de englobar ou degradar materiais maiores que não puderam ser processados. O problema é que essas células epitelióides recrutam mais TCD4, criando um ciclo vicioso e aumentando o tamanho do agregado de células, gerando assim o granuloma.
Se a causa dessa inflamação crônica não for tratada (atrito, material da joia, angulação, uma infecção não tratada...), fibroblastos são recrutados para para conter o que está causando o dano. Para isso, produzem colágeno, formando uma cápsula fibrosa que isola o agente agressor. Essa fibrose, embora ajude a conter a ameaça, também pode levar a danos e disfunção no tecido, gerando o quelóide.